terça-feira, 14 de setembro de 2010

3º módulo aborda elaboração de projetos e associativismo

Como elaborar um projeto para sua comunidade? Quais são as etapas que precisam ser desenvolvidas? Como estruturar um orçamento e principalmente como colocar num projeto as reais demandas de uma comunidade que foram identificadas de forma coletiva? Estas e outras perguntas foram debatidas e aprofundadas no terceiro módulo do Curso de Formação dos Gestores e Gestoras das Organizações Indígenas do Estado do Mato Grosso.

Realizado entre os dias 11 e 25 de julho, em Barra do Bugres, pelo Instituto Maiwu de Estudos e Pesquisas de Mato Grosso, com o apoio da Universidade do Estado do Mato Grosso e de outras entidades, e com financiamento do Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas (PDPI), do Ministério de Meio Ambiente, os cursistas tiveram a oportunidade de elaborarem projetos e verem, na prática, os principais desafios a serem superados.

Para o administrador Luís Eustórgio Borges, professor convidado do Instituto Federal do Pará e instrutor do 3º módulo, projetos desenvolvidos para ou por populações indígenas é um grande desafio, pois não há espaço para erros. Para ele, tem que ficar bastante claro as necessidades da comunidade, mas respeitando as crenças, costumes e tradições.

Para ele, desde a Constituição Federal de 1988 e a Eco-92, as oportunidades de apoio a projetos e ações para as populações tradicionais e, em especial, às indígenas aumentaram muito. “No início dos anos 90 houve uma explosão de projetos e criações de associações, pois haviam muitos financiadores, mas nem todas as comunidades e associações estavam preparadas para gerenciarem os recursos”, explica.

Em seu entendimento, fundar uma associação é muito fácil, mas a sua administração precisa de muita atenção ao seu funcionamento. “Fundar uma associação é fácil mas o papel dela é a união das pessoas e em muitos casos acontece justamente o contrário, as associações provocam a desunião por não serem bem planejadas”, complementa.

Os problemas disso acontecer não são poucos. Luis identifica que por muito tempo a preocupação da formação dos indígenas e outras populações tradicionais ficaram muito na formação política e não houve muita preocupação em formação de pessoas para atuarem nos quadros técnicos, como administradores, contadores e outras profissões.

Outro problema identificado é que, para ele, muita gente tem uma visão errada sobre o funcionamento de associações e gerenciamento de projetos indígenas. “Eles são índios mas as organizações não são, elas precisam seguir a legislação, que não faz distinção se é organização indígena, cabocla ou de pescador. A lei é uma só e isso tem que ser respeitado”, pondera.

A saída é um investimento em educação, tanto do ensino escolar quanto de formação continuada. “Hoje a educação é a base de tudo e isso tanto para os indígenas como para os instrutores. Como transferir conceitos como marketing e administração para a realidade indígena? É preciso ter uma educação continuada de ambos os lados para haver sucesso”, define.

“Nesse sentido, o curso de gestores é perfeito porque tem uma seqüência, os indígenas têm que ir a comunidade e voltar para o próximo módulo. Isso ajuda a perceber os erros que eles estão cometendo e encontrar os caminhos certos. E o grupo do curso é muito produtivo, com pessoas muito competentes”, finaliza Luís.

Uma nova geração de lideranças indígenas

Para Francisca Navantino, índia Paresí e coordenadora de Formação e Desenvolvimento do Instituto Maiwu, está surgindo uma nova geração de lideranças indígenas, que aliam o saber tradicional com a formação da sociedade ocidental. “É preciso ter formação tradicional, seguindo os ritos e mitos do seu povo, mas também a formação da sociedade ocidental. É preciso ter outras qualidades que vão fazer com que você possa de fato direcionar suas ações para um benefício coletivo”, esclarece.

Nesta entrevista, Francisca aborda esse tema e as necessidades de formação de gestores indígenas para trazer benefícios para sua comunidade e lutar pelos direitos dos povos indígenas.

A demanda para formação de gestores indígenas é crescente?

Francisca Navantino - A demanda existe em todos os setores mas tem uma diferença. Uma coisa é dar uma formação no campo institucional, governamental, que é um tipo de formação focado para atender demandas especificas e pontuais que crescem por conta da população indígena que está aumentando. Aumenta também a necessidade na formação de professores indígenas, tanto na formação inicial como também continuada. Nós temos outra frente de formação que é para atender demandas específicas e locais nas comunidades indígenas, principalmente vindo das organizações indígenas do nosso estado. Nós devemos ter de 200 a 300 organizações indígenas em Mato Grosso, organizações, pequenas, locais, de comunidades, regionais e as três grandes que são a Organização dos Professores Indígenas do Mato Grosso (OPRIMT), Maiwu e a Takinã. Isso além das entidades regionais que atendem grandes territórios como a Associação Terra Indígena Xingu (ATIX), a Instituto de Pesquisa Etno Ambiental do Xingu (IPEAX) e o Instituto Raoni. Todas essas entidades têm necessidade de formar quadros técnicos para a gestão e administração dessas organizações.

As organizações maiores têm que ajudar nessa capacitação?

FN - O Maiwu tem essa competência de dar essa formação. Outras entidades têm outras competências. Este curso é o primeiro dessa qualidade realizado no Estado de Mato Grosso promovido por uma organização indígena de Mato Grosso. É inédito uma organização indígena com um quadro indígena promover esse tipo de capacitação para indígenas em parceria com entidades governamentais como o Ministério do Meio Ambiente pelo Programa Demonstrativo dos Povos Indígenas (PDPI).

Essa necessidade de formação de gestores é uma realidade nova ou já existia mas não existiam projetos para esse fim?

FN - Essa necessidade já existia mas ela nunca tinha sido contemplada, tanto é que nós tivemos mais de 60 interessados em fazer o curso e isto marca uma nova postura do movimento indígena assim como acontece em outros estados do Nordeste e Amazonas onde os indígenas estão mais engajados no movimento e cobram essa demanda aos governos. Então Mato Grosso entra agora nesse mesmo patamar. No Amazonas nós temos a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que agrega todas as organizações regionais para o fortalecimento indígena. O Instituto Maiwu tem competência de atender não só a demanda dela enquanto organização mas também de apoiar iniciativas de outras organizações. Sem contar também que tem a competência também de estar atualizado com seus profissionais indígenas, acompanhando sua formação, não só na educação mas também em outras frentes.

Está havendo uma renovação de lideranças indígenas, considerando que a juventude indígena está cada vez mais ativa nos eventos e em cursos de formação?

FN - A gente percebe que as lideranças têm mudado de mão. As lideranças tradicionais têm feito suas indicações a partir de indígenas com formação. Todas as lideranças têm feito estes indicativos principalmente na Educação. E alguns desses meninos que estão no curso de gestores estão sendo preparados para serem futuras lideranças. E aí a necessidade de qualificação deles dobra. Qualificação não só da formação tradicional que tem que ter, seguindo os ritos e mitos do seu povo, mas também a formação na sociedade ocidental. É preciso ter outras qualidades que vão fazer com que você possa de fato direcionar suas ações para um benefício coletivo. A gente percebe que o curso está dando a oportunidade de os participantes relatarem as experiências deles, mas principalmente apontando as soluções aos problemas que eles têm nas aldeias. O curso tem que ser para isso, melhorar a qualidade de vida dos povos indígenas do Estado.

Se por um lado há uma série de conquistas e a formação de novas lideranças a Funai está se reestruturando e acessar recursos públicos está cada vez mais complexo. A luta pelos direitos indígenas está mais fácil ou mais difícil que há 20 anos, quando a questão indígena começou a ter um tratamento diferenciado?

FN - Hoje está mais difícil para brigar. Aos olhos da sociedade e do governo o problema está resolvido. Se demarcou “X” terras indígenas, está demarcado e pronto. A partir do momento que os direitos indígenas estão na constituição está resolvido. A questão não é essa. A questão é a implementação dos direitos que estão no papel. Antigamente a gente não tinha nada, nem constituição, nem direito nem nada. Hoje nós temos tudo isso no papel. Do ponto de vista burocrático, jurídico está aí. Mas acontece que a grande dificuldade é a implementação de tudo que está posto na constituição. E aí vem o conflito com os não índios e até com o governo. Por exemplo, a gente briga muito com a questão da política pública que nós queremos ser inseridos de forma diferenciada e o governo trabalha com a massa, para todos. Quando chega aos povos indígenas é complicado fazer política pública atendendo tantas realidades diferentes. Quando se iguala tudo você faz um enquadramento dessas ações e aí gera o conflito, principalmente para o indígena que precisa de cada vez mais um conhecimento apurado.

E isso aparece em momentos fundamentais, como nas grandes obras de infra-estrutura, como as barragens e hidrelétricas.

FN - Isso mesmo. Ninguém está analisando as conseqüências de tudo isso para o futuro das gerações. O que a gente percebe é um enquadramento dos povos, da sua vida cultural, enquadrados dentro desses projetos, colocando os índios numa dependência econômica desses projetos. Sair dessa dependência é o grande desafio. Antigamente os povos dependiam apenas de suas economias básicas, da sua roça, do seu pescado, da sua caçada que ele tinha à vontade. Hoje ele não pode mais ter esse privilégio, acabou. Hoje está enquadrado para ter que receber uma cesta básica, para ter que receber dinheiro porque senão passa fome. Esse é o novo enquadramento. O desespero da gente é tentar reverter isso com projetos de sustentabilidade para valorizar aquilo que secularmente os indígenas vinham fazendo e a cada dia que passa está acabando.

Mas por outro lado, várias organizações tem mostrado como fazer as alternativas virarem soluções e temos bons exemplos aqui em Mato Grosso.

FN - No caso do nosso curso o que a gente propõe é exatamente isso. Os cursistas pensarem os saberes econômicos, os saberes de sustentabilidade que eles já tem de uma forma equilibrada, não entrando 100% numa economia capitalista, mas no equilíbrio entre ambos e quem tem que fazer isso é a comunidade. O curso tem que dar esse norteamento para que eles possam de fato encontrar o caminho do equilíbrio econômico no mundo contemporâneo.

Fortalecimento do povo Apiaká*

O curso de formação de gestores indígenas do Mato Grosso, realizado pelo Instituto Maiwu está trazendo novas informações como nas políticas públicas indigenista, Ministério da Saúde, Ministério da Educação e Ministério do Meio Ambiente, fazendo com que nós tenhamos um conhecimento para que possamos desenvolver atividades de acordo com a nossa realidade, principalmente na nossa comunidade, organizações e associações indígenas, fortalecendo as nossas articulações para trazer melhorias.

Pra os povos indígenas seria melhor se o curso tivesse sido realizado há 20 anos. Assim muitas coisas que aconteceu e está acontecendo nos nossos territórios e com certeza as comunidades teriam bons projetos e uma boa política para defender os nossos direitos no nosso país que é o Brasil e principalmente no estado de Mato Grosso.

Pra nós, Povo Apiaká, o curso está sendo muito importante principalmente pra aldeia Mayrowi e aldeia Pontal, que ficam no município de Apiacás e estão em processo de demarcação. E também fazendo com que tenhamos uma visão bem ampla na parte de administração, coordenação, na associação e elaboração de projetos.

Mas temos a aldeia Mayrob, que é do mesmo povo que fica no município de Juara, que tem associação e desenvolve projetos de resgate a cultura e de extração sustentável de castanha-do-Brasil, que vem trazendo melhorias de vida para a comunidade. Além disso, existe outros projetos em fase de articulação e aprovação.


* Romildo Tukumã Santana, da aldeia Mayrowi – Apiaká – 20 anos e Edilson Krixi Morimã, presidente da Associação Comunitária Indígena da Aldeia Mayrob (ACAIM) – Apiaká – 26 anos

Relatório do curso*

A formação do curso de gestores indígenas no estado de Mato Grosso está sendo realizado no município de Barra do Bugres na escola Agrícola em 2010. Tem como objetivo capacitar em varias áreas como no movimento indígena nacional. Tratou da legislação indígena que consta na Constituição Federal de 1988 e demais outros temas.

Portanto, desde o início da aula até terceiro módulo vem tratando principalmente na elaboração de projeto tanto na teoria como na prática. E com esse curso venho acreditando no desenvolvimento de cada conteúdo porque observo que os alunos estão progredindo. Para mim o curso está sendo rico e fundamentalmente com clareza e também enriquece meu currículo profissionalizando não só para isso mas também para defender o interesse do povo de forma coletiva, pois com isso o trabalho será transparente, ou seja terá todo o apoio da comunidade.

Através desse curso estou programando uma oficina de capacitação junto com parceria com o CIMI e comunidades da aldeia Santa Izabel – Tocantins, com o objetivo de tratar os seguintes tópicos: constituição federal de 1988 e a Convenção 169 da OIT, da Administração Pública, Políticas Públicas, levar para dentro da comunidade através da Educação porque somente através da educação, nós, indígenas, acompanharemos as mudanças que vem ocorrendo rapidamente e tudo isso é preocupante para a comunidade. O resultado disso será em breve a realização de oficina, porque vejo as dificuldades que as comunidades se encontram que é a falta de preparação e capacitação aos indígenas.

*Mawysi Karajá, aldeia Santa Isabel – Ilha do Bananal – TO

Fortalecimento e Autonomia*

O curso de gestores e gestoras indígenas de Mato Grosso é realizado pelo Maiwu em parceria com a Unemat e outros órgãos com apoio do PDPI (Projetos Demonstrativos para Povos Indígenas). Está dividido em cinco módulos presenciais com trabalhos de dispersão nos períodos intermediários. A sua implementação responde às necessidades e anseios das comunidades indígenas do Estado.

O curso contribui diretamente no fortalecimento das nossas associações e das nossas comunidades, pois nos oferece ferramentas eficientes na elaboração de projetos e seus devidos acompanhamentos.

No entanto, esta capacitação também nos enriquece ofertando uma visão panorâmica da conjuntura política deste país. E isso nos permite uma análise crítica da situação atual com capacidade de discutir, propor, sugerir e colaborar na construção de políticas públicas que atendam às demandas das nossas comunidades.

Além disso, o curso de gestores e gestoras indígenas de Mato Grosso é um investimento que resultará na melhoria de vida nas aldeias e principalmente na aquisição de conhecimento, ferramenta indispensável na luta pela autonomia e seu protagonismo.

Como representante, indicado ela organização da minha comunidade, assumi o compromisso de ingressar e concluir este curso com objetivo de adquirir conhecimento e usá-lo em benefício da aldeia, buscando meios, apontando caminhos e tentando resolver ou amenizar os problemas existentes na comunidade ou que afetem direta e indiretamente o meu povo. E principalmente desenvolver aquilo que estou sendo capacitado a fazer: elaborar, executar e gerenciar projetos coletivos que visem a sustentabilidade e melhores condições de vida na comunidade.

Particularmente é uma grande conquista que só é possível pela minha força de vontade, esforço e dedicação.

*Valdevino Harison Amajunepá - Umutina– Aldeia Umutina–MT

O ponto de vista de uma nova liderança indígena*

O curso de gestores (as) indígenas de Mato Grosso proporcionou para mim a oportunidade de conhecer melhor a realidade de mais ou menos a metade da população indígena de Mato Grosso. Através de cada representante dos povos que se fazem presente neste curso eu pude conhecer e entender melhor as políticas públicas que se tem para a população indígena.

O contexto do curso contribui muito para o meu crescimento pessoal, pois aprendi a lidar melhor com pessoas de um jeito mais completo. A partir do momento que recebi as ferramentas necessárias para elaboração de projeto isso irá futuramente contribuir para o meu crescimento pessoal em si, enquanto liderança indígena mas também da população indígena.

Para o meu povo essa é uma das oportunidades que tivemos para que pudéssemos nos capacitar para enfrentar o desenvolvimento dos povos indígenas como um todo.

Isso provará para os governantes e populações dominantes que nós temos capacidade de sermos preparados para ficar a frente das situações que são do nosso interesse (populações indígenas).

* Sebastião Mendes de Arruda – Chiquitano– Aldeia Acorizal